20 de maio de 2014

A triste história de Piera e a eutanásia

Faz um ano que foi lançado na Itália, por uma Associação conhecida por suas atividades radicais, um vídeo que tinha o propósito de chocar. Era a história de Piera, uma senhora de 76 anos que tinha recebido o diagnóstico de um câncer de fígado em estágio avançado e incurável. Piera conta que “morreu” no dia em que recebeu o diagnóstico de incurabilidade da sua doença. E em três minutos, enquanto faz as malas, explica que, visto que não havia possibilidades de cura e que iria encontrar o sofrimento no caminho, decidiu ir à Suíça para acabar com tudo. Piera deixa claro no vídeo que não queria mais o sofrimento, que não servia para nada. Por isso Piera, e só ela, tinha o direito de decidir sobre a sua vida e a sua morte.

“A escolha de Piera”, nome do pequeno filme, foi exatamente essa. Viajou a uma cidadezinha próxima de Zurique e lá escolheu o momento exato para colocar um ponto final na sua vida. Deixou em herança aquele filme-testemunho para a campanha que busca a legalização da eutanásia na Itália.
Piera Franchini (1937-2012) decidiu ir à Suíça e recorrer ao suicídio assistido
Piera dizia amargurada no vídeo: “Os outros caminhos não me levam à cura, não me levam a uma vida diferente, não me levam a lugar nenhum. Levam-me sempre e de qualquer forma ao fim da vida. E então, por que não escolher o caminho menos turbulento, que mesmo assim me dá medo? Mas não tenho dúvidas. Não quero mais sofrer. O direito ao sofrimento é um fim em si mesmo, um sofrimento que não beneficia a ninguém. A quem beneficia o meu sofrimento ou de tantos outros? Para quem serve? Por que motivo eu devo sofrer até morrer?! Sofre-se até que se morre. Quem se pode dar o direito de dizer ou de fazer isso?! Sou eu, eu, eu, a minha vida, a minha morte, eu decido sobre mim”.

São palavras fortes. Mas de qualquer forma, mais forte é a solidão de Piera. Ela decidiu algo muito grave, de forma solitária. É verdade que todo mundo morre sozinho. É inevitável. A morte, como a vida, só cada um pode saborear e percorrer. Mas a solidão do suicida, especialmente do suicida assistido, parece ser mais aguda e dolorosa. Não porque Piera não tenha podido contar com a proximidade dos seus familiares e amigos porque se viu “obrigada” a ir à Suíça para morrer. Mas porque quem procura ajuda para morrer, não deixa de estar pedindo ajuda para viver, mesmo que de forma inconsciente.  Todos os seres humanos têm necessidade de compartilhar a vida. E todos necessitam viver e morrer acompanhados.

             Parece que Piera, a pesar da ajuda que recebeu para ir à Suíça, não podia contar com ninguém que lhe dissesse “fique aqui o tempo que for, eu estarei com você, eu cuido de você”. A eutanásia é sempre uma decisão de uma miserável solidão: de quem não quer incomodar os outros, de quem tem medo de sofrer fisicamente sem ter o alívio de uma presença realmente gratuita e voluntária, de quem a ama. É por isso que a eutanásia é sempre uma derrota, do indivíduo e da sociedade. Derrota do indivíduo que se vê impotente diante do presunto monstro da morte dolorosa. Derrota da sociedade que não pode ou não quer oferecer ajuda a quem se sente débil e marginalizado pelo sofrimento de uma doença.

As mesmas mãos amigas que ajudaram Pietra a ir à Suíça ou que a filmaram pela última vez, não eram amigas o bastante para acolhê-la nesses seus piores dias. Piera estava sozinha a pesar da presença de alguns que compartilhavam da sua convicção de procurar uma “boa morte”. Naquele momento em que um se sente sozinho e desesperado, apavorado pelo porvir, encontra na indústria da eutanásia, o impulso que lhe faltava: “Sim, o seu sofrimento é inútil. Acabe com a sua vida que é melhor para você e para aqueles que ficam”.

Mas existem alternativas! Talvez tudo possa ser diferente se aquele que se encontra nessa situação encontra o acolhimento daqueles que praticam os Cuidados Paliativos e pode, então, ouvir e sentir e tocar aquilo que dizia Cicely Saunders, uma das fundadoras do movimento Hospice: “Você é importante porque você é você. E você é importante até o fim da sua vida. Faremos todo o possível não só para ajudá-lo a morrer em paz, mas também para fazer você viver até o momento de morrer”.[1]
Cicely Saunders (1918-2005): a médica inglesa fundadora do Movimento Hospice de Cuidados Paliativos



[1] “You matter because you are you, and you matter to the end of your life. We will do all we can not only to help you die peacefully, but also to live until you die”

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